09-09
Certo
dia da segunda metade do ano do Senhor de 1610, as grandes e amareladas velas
do galeão "São Pedro" eram recolhidas e suas âncoras tocavam o fundo
de uma bela baía. A tripulação inteira abeirava-se do parapeito e contemplava
com curiosidade e admiração a São Pedro Claver - Santuário de Loyola - cidade
de Cartagena, na província da Nova Granada (atual Colômbia), que se apresentava
deslumbrante diante dos seus olhos, com suas enormes muralhas de pedra branca
brilhando sob o causticante sol tropical. O azul profundo do céu refletia-se
nas águas mansas e cálidas do porto, onde se balançava graciosamente um
sem-número de embarcações de todo tipo e tamanho.
Dentre
a pitoresca multidão de marinheiros e passageiros que se apressavam em
desembarcar do galeão recém-chegado, destacavam- se singularmente as negras
batinas de quatro religiosos: três sacerdotes e um noviço da ordem fundada, não
havia muito tempo, por Inácio de Loyola: a Companhia de Jesus. Dos três
presbíteros, a História não perpetuou os nomes. Religiosos desconhecidos, como
centenas de milhares que imolaram suas vidas seguindo os passos do Mestre
Divino, anônimos para os homens e filhos prediletos de Deus.
O
noviço, porém, de fisionomia austera, silencioso, um tanto retraído e quase passando
despercebido, marcou com sua vida a história da América do Sul e brilhará para
sempre no firmamento da Igreja: São Pedro Claver.
A
AURORA DE UMA VOCAÇÃO
Nascido
em Verdú, pequena cidade espanhola da Catalunha, em 1580, Pedro Claver sentiu-se
chamado para a vida religiosa desde tenra infância.
Aos
22 anos de idade, bateu às portas do noviciado da Companhia de Jesus.
Dois
anos mais tarde, a fim de completar os estudos de Filosofia, foi enviado por
seus superiores ao Colégio de Montesion, na ilha de Maiorca. Deu-se, então, um
providencial encontro que marcaria de modo indelével a vida de Pedro e firmaria
definitivamente sua vocação.
Nesse
colégio habitava um venerável ancião, simples irmão coadjutor e porteiro da
casa, que séculos depois seria canonizado e viria a ser uma das glórias da
Ordem: Santo Afonso Rodríguez.
Desde
o primeiro instante em que os límpidos olhos do santo porteiro penetraram o
coração do noviço, discerniu o ancião a vocação do jovem e um profundo e
sobrenatural relacionamento uniu então aquelas duas almas.
"O
que devo fazer para amar verdadeiramente a Nosso Senhor Jesus Cristo?" -
perguntava o estudante. E Santo Afonso não se contentava em dar um simples
conselho, mas descortinava os ilimitados horizontes da generosidade e do
holocausto:
"Quantos
que vivem ociosos na Europa, poderiam ser apóstolos na América! Não poderá o
amor de Deus sulcar esses mares que a cobiça humana soube cruzar? Não valem
também aquelas almas a vida de um Deus? Por que tu não recolhes o Sangue de
Jesus Cristo?"
As
ardentes palavras do velho porteiro acenderam labaredas de zelo que acabariam
por consumir o coração de Pedro Claver.
Nessa
época, o irmão Afonso foi favorecido por Deus com uma mística visão: sentiu-se
arrebatado até o Céu onde contemplou incontáveis tronos ocupados pelos
bem-aventurados e, no meio deles, um trono vazio. Escutou uma voz que lhe
dizia: "É este o lugar preparado para teu discípulo Pedro, como prêmio de
suas muitas virtudes e pelas inúmeras almas que converterá nas Índias, com seus
trabalhos e sofrimentos".
MISSIONÁRIO
E SACERDOTE
No
dia 23 de janeiro de 1610, o superior provincial, atendendo a seus pedidos,
enviou-o como missionário à tão anelada América do Sul. E no final desse mesmo
ano, após longa travessia, aportou na cidade de Cartagena, uma das mais
importantes do Império Espanhol do além-mar.
Terminada
sua formação teológica na casa de formação dos jesuítas na província da Nova
Granada, recebeu finalmente o Sacramento da Ordem no dia 19 de março de 1616 e
celebrou sua primeira Missa diante da imagem da Virgem dos Milagres a quem
professaria sempre uma ardorosa e filial devoção.
O
CAMPO DE BATALHA
A
cidade de Cartagena constituía, nessa época, um dos pontos principais de comércio
entre a Europa e o novo continente, e juntamente com Vera Cruz, no México, eram
os dois únicos portos autorizados para a introdução de escravos africanos na
América Espanhola. Calcula-se que cerca de dez mil escravos chegavam anualmente
a esta cidade, trazidos por mercadores, geralmente portugueses e ingleses, que
se dedicavam a este vil e cruel comércio.
Esses
pobres seres, arrancados das costas da África, onde viviam no paganismo e na
barbárie, eram trazidos no fundo dos porões dos navios para serem vendidos como
simples objetos e finalmente destinados ao trabalho nas minas e nas fazendas
onde, depois de haver vivido sem esperança, morriam miseravelmente sem o
auxílio da religião.
Converter
esses milhares de infelizes cativos e lhes abrir as portas do Céu, foi a missão
a qual Pedro Claver consagrou toda a sua existência.
Assim,
quando chegou o grandioso e esperado momento de emitir os votos solenes, pelos
quais se comprometia a ser obediente, casto e pobre até a morte, assinou o
documento com a fórmula que doravante seria a síntese de sua vida: Petrus
Claver, æthiopum semper servus. - "Pedro Claver, escravo dos africanos
para sempre". Tinha 42 anos de idade.
O
ESCRAVO DOS ESCRAVOS
Quando
um navio carregado de escravos chegava ao porto, o Padre Claver acorria
imediatamente numa pequena embarcação, levando consigo uma grande provisão de
biscoitos, frutas, doces e aguardente.
Aqueles
seres embrutecidos por uma vida selvagem e exaustos pela viagem realizada em
condições desumanas, olhavam-no com temor e desconfiança. Mas ele os saudava
com alegria e por meio de seus auxiliares e intérpretes negros - tinha mais de
dez - dizia-lhes: "Não temais! Estou aqui para vos ajudar, para aliviar
vossas dores e doenças." E muitas outras frases consoladoras. Porém, mais
que as palavras, falavam suas ações: antes de mais nada, batizava as crianças
moribundas; depois recebia em seus braços os enfermos, distribuía a todos
bebidas e alimentos e fazia- se servo daqueles desventurados.
ÁRDUA
CATEQUESE
Levando
em sua mão direita um bastão encimado por uma cruz e um belo crucifixo de
bronze pendurado no pescoço, saía Pedro Claver todos os dias para catequizar os
escravos. Calores extenuantes, chuvas torrenciais, críticas e incompreensões
até dos próprios irmãos de vocação, nada arrefecia sua caridade.
Com
frequência batia nos pórticos senhoriais da cidade pedindo doces, presentes,
roupas, dinheiro e almas decididas que o auxiliassem em seu duro apostolado. E
não poucas vezes nobres capitães, cavaleiros e senhoras ricas e piedosas o
seguiam até as míseras moradias dos escravos.
Entrando
nesses lugares, seu primeiro cuidado dirigia-se sempre aos doentes. Lavava-lhes
o rosto, curava suas feridas e chagas e repartia comida aos mais necessitados.
Apaziguadas as penalidades do corpo, reunia então a todos em torno de um
improvisado altar, os homens de um lado e as mulheres de outro, e iniciava a
catequese que ele sabia colocar maravilhosamente ao alcance da curta
inteligência dos escravos.
Pendurava
à vista de todos uma tela pintada com a figura de Nosso Senhor crucificado, com
uma grande fonte de sangue correndo de seu lado ferido; aos pés da Cruz, um
sacerdote batizava com o Sangue Divino vários negros, os quais apareciam belos
e brilhantes; mais abaixo, um demônio tentava devorar alguns negros que ainda
não haviam sido batizados.
Dizia-lhes,
então, que deveriam esquecer todas as superstições e ritos que praticavam nas
tribos e lugares de origem, e lhes repetia isso muitas vezes.
Depois
lhes ensinava a fazer o sinal da cruz e lhes explicava paulatinamente os
principais mistérios da nossa Fé: Unidade e Trindade de Deus, Encarnação do
Verbo, Paixão de Jesus, mediação de Maria, Céu e inferno.
Pedro
Claver compreendia bem que aquelas mentalidades rudes não podiam assimilar ideias
abstratas sem a ajuda de muitas imagens e figuras. Por isso lhes mostrava
estampas nas quais estavam pintadas cenas da vida de Nosso Senhor e de Nossa
Senhora, representações do Paraíso e do inferno.
BATIZOU
MAIS DE 300 MIL ESCRAVOS
Após
inúmeras jornadas de árdua evangelização, batizava-os finalmente. Para celebrar
este Sacramento utilizava uma jarra e uma bacia de fina porcelana chinesa, e
queria que os escravos estivessem limpos. Introduzia seu crucifixo de bronze na
água, abençoava-a e dizia que agora aquele líquido era santo, e que após serem
lavadas nessa água suas almas se tornariam mais refulgentes que o sol.
Calcula-se que ao longo de sua vida São Pedro Claver batizou mais de 300 mil
escravos. Aos domingos, percorria ruas e estradas da região chamando-os à santa
Missa e ao sacramento da Penitência. Dias havia que passava a noite inteira
confessando os pobres escravos.
REFLEXOS
DE UM IMENSO AMOR
Sua
ardente e inextinguível sede de almas era apenas o transbordamento visível das
labaredas interiores que consumiam a alma deste discípulo de Cristo.
Significativos indícios levantam um tanto o véu que cobriu durante sua vida o
altíssimo grau de união com Deus que ele havia atingido.
"Todo
o tempo livre de confessar, catequizar e instruir os negros, dedicava- o à
oração", narra uma testemunha. Repousava diariamente apenas três horas, e
passava o resto da noite de joelhos em sua cela ou diante do Santíssimo
Sacramento, em profunda oração, muitas vezes acompanhada de místicos arroubos.
Grande
adorador de Jesus-Hóstia, preparava-se todos os dias durante uma hora antes de
celebrar o Sacrifício do Altar, e permanecia em ação de graças meia hora após a
Missa, não permitindo que ninguém o interrompesse nesses períodos.
Ilimitada
também era sua devoção a Nossa Senhora. Rezava o Rosário completo todos os
dias, ajoelhado ou andando pelas ruas da cidade, e não deixava passar nenhuma
festa d'Ela sem organizar solenes celebrações, com música instrumental e coral.
LONGO
CALVÁRIO
Aquele
varão, que tinha passado a vida fazendo o bem, que tantas dores havia aliviado
e tantas angústias consolado, teve de padecer, como seu Divino Modelo,
indizíveis tormentos físicos e morais antes de ser acolhido na glória celeste.
Após
35 anos de intensíssimo labor apostólico e 70 de idade, caiu gravemente
enfermo. Pouco a pouco foram-se paralisando as extremidades de seus membros, e
um forte tremor agitava continuamente seu corpo extenuado. Tornou-se "uma
espécie de estátua da penitência com as honras de pessoa", relata uma
testemunha.
Os
últimos quatros anos de existência terrena, ele os passou imobilizado na
enfermaria do convento. E, por incrível que pareça, este homem que havia sido a
alma da cidade, o pai dos pobres e o consolador de todas as desventuras, foi
completamente olvidado por todos e submergido no esquecimento e no abandono.
Passava
os dias, os meses e os anos em silenciosa meditação, contemplando da janela da
enfermaria a imensidade do mar e escutando a melodia das ondas que se rompiam
contra as muralhas da cidade. A sós com a dor e com Deus, aguardava o momento
do supremo encontro.
Um
jovem escravo fora designado pelo superior da casa para cuidar do doente.
Entretanto, esse que deveria ser enfermeiro não passava de bruto algoz. Comia a
melhor parte dos alimentos destinados ao paralítico e "um dia o deixava
sem bebida, outro sem pão, muitos sem comida", segundo conta uma
testemunha da época. Também o martirizava quando o vestia, governando-o com
brutalidade, torcendo-lhe os braços, batendo nele e tratando-o tanto com crueldade
como desprezo. Porém, nunca seus lábios proferiram a menor queixa. "Mais
merecem minhas culpas", exclamava às vezes.
GLÓRIA
JÁ NESTA TERRA: "MORREU O SANTO”!
Certo
dia de agosto de 1654, disse Claver a um irmão de hábito: "Isto se acaba.
Deverei morrer num dia dedicado à Virgem". Na manhã de 6 de setembro, à
custa de um imenso esforço, fez- se conduzir até a igreja do convento e quis
comungar pela última vez. Quase se arrastando, aproximou-se da imagem de Nossa
Senhora dos Milagres, diante da qual havia celebrado a sua primeira Missa. Ao
passar pela sacristia, disse a um irmão: "Morro. Vou morrer. Posso fazer
algo por vossa reverência na outra vida?" No dia seguinte, perdeu a fala e
recebeu a Unção dos Enfermos.
Sucedeu,
então, algo de extraordinário e sobrenatural. A cidade de Cartagena pareceu
acordar de uma longa letargia e por todos os lados corria a voz: "Morreu o
santo!" E uma multidão incontenível dirigiu-se para o colégio dos
jesuítas, onde agonizava Pedro Claver.
Todos
queriam oscular suas mãos e seus pés, tocar nele rosários e medalhas. Distintas
senhoras e pobres negras, nobres, capitães, meninos e escravos desfilaram nesse
dia diante do santo, que jazia sem sentidos em seu leito de dor. Só às 9 horas
da noite os padres conseguiram fechar as portas e assim conter aquela piedosa
avalanche.
E
assim, entre 1h e 2h da madrugada de 8 de setembro, festa da Natividade de
Maria, com grande suavidade e paz, o escravo dos escravos adormeceu no Senhor.
ORAÇÃO:
São
Pedro Claver, peço a sua intercessão, junto a Jesus e a suas mãe Virgem Maria,
para que consigamos vencer os preconceitos que existem nesta terra que tanto
atormentam pobres almas viventes.
Que o poder de Jesus que sempre reinou em seu
coração, reine em meu coração e eu possa lutar contra tanta desigualdade e
desamor, São Pedro Claver,auxilia a mim e a todos os homens de bom coração
nesta empreitada. Para que todos possam encontrar o verdadeiro amor de Cristo.
Que
assim seja.