O
moço de 19 anos que chegava à Terra de Santa Cruz vinha com as melhores
disposições espirituais possíveis para exercer sua missão. Embora tão jovem
e não tendo ainda sido ordenado
sacerdote, Irmão José era dos primeiros missionários jesuítas que se
estabeleciam na nova terra. Sua meta era conquistar almas para Cristo.
Ele
fazia parte da comitiva do segundo Governador Geral do Brasil Dom Duarte da
Costa e chegou a Salvador, na Bahia de Todos os Santos, no dia 13 de julho do
ano de 1553.
Da
Terra de dimensões continentais em que aportou nunca mais saiu. Amou a Terra,
amou seu povo. Evangelizou as "gentes brasílicas", deu rumo a sua
formação. Identificou-se com suas aspirações, sem perder sua própria
identidade.
ORIGENS
Aquele
jovem noviço tinha nascido em São Cristóvão, Tenerife, uma das ilhas do
Arquipélago das Canárias, a 19 de março de 1534, dia da festa litúrgica de São
José, fato determinante para que ele também recebesse esse nome no batismo:
José de Anchieta.
José
de Anchieta pertencia a uma próspera família. Seu pai, Juan Lopes de Anchieta,
era da província de Guipuscoa, no País Basco. Por precaução, Juan havia mudado
para as Canárias. E ele tinha lá suas razões para isso: ele tomou parte na
Revolta dos Comuneiros, feita contra o imperador espanhol Carlos V e havia sido
condenado à morte.
Juan
Lopes acabou sendo salvo da pena capital por intercessão de um ilustre parente
militar, o capitão Inácio de Loyola, que, mais tarde, veio a ser o fundador dos
jesuítas, os religiosos da Companhia de Jesus. Sua mãe foi Dona Mência Dias de
Clavijo y Llarena. Ela era natural das próprias Ilhas Canárias. Seu avô havia
sido um dos conquistadores espanhóis.
FORMAÇÃO
Quando
ainda criança, Anchieta teve oportunidade de estudar com religiosos. Ao
completar 14 anos, juntamente com um irmão de maior idade, ele já estava
iniciando seus estudos na célebre Universidade de Coimbra. Cursou ali o
renomado Colégio de Artes. Recebeu nessa ocasião uma educação própria de seu
tempo, com uma formação principalmente filológica e literária para que
aperfeiçoasse a língua latina e já visando um aperfeiçoamento futuro. Maiores
ciências ele as adquiriu nas escolas dos padres da Companhia de Jesus. Cresceu
nelas de tal maneira que em breve tempo estava bem formado em todo gênero de
humanidades.
Foi
com 17 anos de idade que José de Anchieta ingressou na Companhia de Jesus, a
Ordem Religiosa fundada por Santo Inácio em 1539 e que foi aprovada pelo Papa
Paulo III com a publicação da bula "Regimini Militantis Eclesiae", de
1540. Também foi por essa ocasião que José de Anchieta --ainda estudante de 17
anos-- fez seu voto particular de castidade diante do Altar de Nossa Senhora,
na Catedral de Coimbra.
Na
época do estudante José de Anchieta o mundo ocidental estava vivendo uma crise:
passava por uma autêntica e profunda revolução cultural e religiosa. O
Renascimento, aproveitando-se de tendências latentes no homem decadente do fim
da Idade Média, manejava as ideias, influenciando e marcando profundamente os
acontecimentos nas artes e mentalidades. No campo religioso, a reforma
protestante, codificada por um frade apóstata e seguindo a esteira da
renascença, produzia devastações no seio da unidade do cristianismo.
Foi
num mundo assim conturbado que no ano de 1553, no final de seu noviciado, José
de Anchieta fez seus primeiros votos como jesuíta. Com esses votos, seus
receios de não poder permanecer na Ordem de Santo Inácio foram dissipados.
MOTIVO
DA VINDA AO BRASIL
Logo
após seu ingresso na Companhia de Jesus, ele foi acometido por uma doença
ósteo-articular. Se essa enfermidade continuasse a agredi-lo, suas esperanças
de ser jesuíta cairiam por terra: ele não poderia continuar na Ordem. Os votos
lhe garantiam que estava são e que poderia continuar entre os filhos de Santo
Inácio.
Os
médicos da época acreditavam que os ares do Novo Mundo seriam benéficos para
sua total recuperação e aconselharam sua transferência para o outro lado do
Oceano Atlântico. Então, seus superiores o enviaram para exercer uma missão em
terras do domínio português, na América.
Ele
era um bom religioso. Entusiasmado, obedeceu prontamente seus superiores:
atravessou o oceano, chegou ao Brasil para evangelizar seu povo e daqui nunca
mais saiu.
Na
travessia do oceano o mais jovem dos jesuítas na esquadra do Governador Duarte
da Costa dava mostras de que sua saúde estava sendo recuperada a cada instante.
Quando aportou em Salvador, ele estava praticamente curado. O tempo na nova
terra completaria a cura total.
AÇÃO
PRETERNATURAL OU FATO PROVIDENCIAL?
As
caravelas do novo Governador Geral Duarte da Costa traziam cerca de 250
pessoas. Além do noviço José de Anchieta, fazia parte da esquadra o também
jesuíta Padre Manuel da Nóbrega que era seu superior e seria acompanhado por Anchieta
no início de sua missão.
Os
dois jesuítas já tinham destino certo. Eles apenas passariam por Salvador e
logo deveriam dirigir-se para a Capitania de São Vicente. Ali exerceriam a
missão de catequizar colonos e nativos.
A
viagem até a "terra de missão" era difícil. Não havia outro meio de
realizá-la a não ser por mar. Duas naus saíram de Salvador com destino a São
Vicente levando Anchieta, Nóbrega e outros padres jesuítas. Ainda no Sul da
Bahia uma tempestade gigantesca surpreendeu as duas embarcações. Uma delas foi
arremessada contra os rochedos e espatifou-se. Por milagre, ninguém morreu. A
nave em que estava Anchieta, acabou ficando encalhada nos recifes, ainda
inteira.
Foi
uma noite de terror para os viajantes. Gigantescas ondas ameaçavam destruir a
nau que ainda havia restado. No dia seguinte, o mar amanheceu calmo e os
viajantes conseguiram chegar à terra. Parece até que uma fúria de origem
preternatural, diabólica, antevendo os sucessos que teriam os missionários,
tentava impedir que eles chegassem a seu destino.
Pior
para o demônio: Ali mesmo Anchieta começou sua missão... com sucesso. Ao
procurar comida em terra firme, encontrou-se com índios do lugar. Ao chegar na
aldeia deles, viu uma indiazinha muito doente, já à beira da morte. Anchieta a
instruiu e batizou dando-lhe o nome de Cecília. Logo depois, a primeira
indiazinha brasileira batizada por Anchieta morreu.
Enquanto
o barco era consertado, Anchieta ainda esteve outras vezes na aldeia para
ensinar o evangelho aos índios. Chegando
a hora da partida, com a consciência tranquila, Anchieta pensava: "O
acidente com o barco foi uma obra permitida pela Providência Divina para salvar
a inocente Cecília, que estava predestinada." E ele tinha razão.
Sua
vida está cheia de fatos semelhantes que indicam os desígnios de Deus Nosso
Senhor de tê-lo como instrumento de salvação para muitas almas. Aquele jovem
franzino, doente, tinha a alma maior que o corpo. Sua fé exuberante, acalentava
uma esperança que, por amor a Deus, seria capaz de evangelizar um país, formar
um povo, salvar um país inteiro.
UM
APÓSTOLO NA CAPITANIA DE SÃO VICENTE
O
missionário José de Anchieta chegou a Salvador em junho de 1553 e logo se
dirigiu a São Vicente.
Em
pouco tempo ele já estava colocado no centro das atividades da missão. Com seus
dotes inatos de comunicador, e com sua sede de almas, conseguiu com os índios
um amplo entendimento. Tornou-se logo amigo de indígenas e colonizadores e por
ambos era respeitado.
Não
limitou seu trabalho às redondezas da pequena São Vicente. Subiu a Serra que
costeava a Capitania e chegou ao planalto que estava depois dela. O Planalto de
Piratininga era povoado por milhares de índios que viviam em aldeias distintas.
Para Anchieta elas eram almas redimidas pelo sangue de Nosso Senhor Jesus
Cristo e sua missão consistiria em conquistá-las para Cristo, conduzi-las para
a Igreja para serem instruídas, formadas, civilizadas.
Sua
ação era ligeira, meticulosa, apostólica, eficiente. Tinha metas audaciosas,
plantava bases para o futuro. Assim foi que em 1554, no dia 25 de janeiro,
festa da Conversão de São Paulo Apóstolo, Anchieta participou da fundação do
colégio da vila de São Paulo de Piratininga, onde também foi professor. Junto
ao colégio foi edificada uma capela provisória na qual foi celebrada a primeira
missa em 25 de agosto.
Estava
nascendo o núcleo de uma cidade que se tornaria uma das maiores metrópoles do
mundo: São Paulo. Anchieta construiu ainda um seminário perto do Colégio de
Piratininga e nele também dava aulas. Tanta ação, tanto fruto já colhido e não
havia passado seis meses desde que ele chegara à Capitania.
ELA
FALAVA O PORTUGUÊS, O CASTELHANO, O LATIM E A LÍNGUA BRASÍLICA.
Decifrar
o tupi foi uma das tarefas que Nóbrega deu a Anchieta. Em apenas seis meses,
ele conseguiu entender e falar a língua dos índios. Em um ano ele a dominava
com perfeição a ponto de criar uma gramática. Além da gramática indígena,
Anchieta dedicava seus dias a ensinar o latim e o português a curumins e índios
adultos. Aos irmãos jesuítas, ensinava a língua tupi.
Depois
de cumprir suas obrigações religiosas e de exercer todo o trabalho que tocava a
ele executar, ainda estava longe a hora do repouso para ele. Era à noite,
quando todos já dormiam, que ele escrevia manuais para os alunos, cartas sobre
o trabalho dos jesuítas e obras diversas, entre elas um dicionário de tupi e um
tratado sobre a flora, a fauna e o clima da Capitania de São Vicente.
LUTOU
CONTRA INVASORES, UNIFICOU PELA FÉ
No
ano de 1555, o Brasil enfrentou graves problemas com a tentativa de franceses
calvinistas de estabelecer uma colônia na região do Rio de Janeiro. Os
invasores contavam com o apoio de índios da região.
Anchieta
participou ativamente da luta pela expulsão dos franceses. A confiança que os
índios tinham nele foi decisiva. Nas batalhas finais, no Rio de Janeiro, ele
estava animando os combatentes brasileiros. Era amigo de Estácio de Sá e esteve
junto dele nas últimas batalhas.
Ele
agia em todos os setores do tecido social e religioso da nascente nação. No
campo ele exerceu o cargo de provincial da Companhia de Jesus entre os anos de
1577 a 1587. O trabalho de Anchieta foi
decisivo para a implantação do catolicismo no Brasil. Com seu conhecimento, fé
e vontade de evangelizar, percorreu a pé, a cavalo, em embarcações, boa parte
do território brasileiro. Assim contribuiu para manter unificado o país naquela
época e nos séculos seguintes.
Ele
foi quem lançou os fundamentos da catequese e educação dos jesuítas no Brasil.
Foi ele também quem começou a reverter o quadro iniciado desde o descobrimento,
em que os nativos eram vistos apenas como propriedade da Coroa e, como tal,
passíveis de serem escravizados.
AGINDO
COMO APÓSTOLO, PLANTOU CULTURA
Anchieta
deixou sua marca também no campo cultural. Sua obra de conteúdo eminentemente
religioso constituiu-se na primeira manifestação literária na Terra de Santa
Cruz contribuindo fortemente para a formação da nascente cultura
brasileira. Além de suas cartas, sermões
e poesias, ele escreveu uma Gramática da língua tupi, idioma que ele dominava
perfeitamente. Escreveu "De Gestis Mendi de Saa", um livro que
tratava dos feitos do Governador Geral Mem de Sá.
É
famoso seu "Poema da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus", que
foi escrito originariamente nas areias da praia de Iperoig, no litoral da costa
da Capitania. Nele se manifesta não só a erudição e inspiração do poeta, mas,
refulgem no texto as melhores doutrinas sobre a Virgem Maria e a expressão de
uma devoção e de um amor extraordinário à Santa Mãe de Deus. São também de
autoria de Anchieta peças de teatro de cunho religioso e formativo. Entre elas
está o "Auto da Pregação Universal" e ainda o "Na Festa de São
Lourenço", também chamada de "Mistério de Jesus".
VIVEU
COM MISSIONÁRIO, AGIU COMO HERÓI, MORREU COMO SANTO
A
vida do Beato José de Anchieta é como um sopro encorajador: é exemplo.
Entusiasma e arrasta os que têm Fé. Convida os católicos a viver na caridade e
no ardor missionário que evangeliza e santifica. Para os índios, ele foi
médico, professor, foi amigo e defensor. Tornou-se o elo de ligação dos índios
e colonos com os padres jesuítas, com a Igreja e a nação que estava sendo
forjada.
Mas,
o Beato José de Anchieta foi sobretudo sacerdote. Cuidava das doenças e feridas
das almas, da espiritualidade de todo o povo. Por isso mesmo é que lhe foram
dados vários títulos que o homenageavam, sendo que o que melhor lhe cai é o de
"Apóstolo do Novo Mundo", que para nós pode ser "traduzido"
como "Apóstolo do Brasil".
Com
63 anos, Anchieta faleceu no povoado que ele mesmo havia ajudado a edificar em
1569: Iritiba (a atual Anchieta), na Capitania do Espírito Santo. Era o dia 9
de junho de 1597 quando José de Anchieta entregou sua alma a Deus. Foi
beatificado pelo Papa João Paulo II, em 1980, quando então foi nomeado
"Apóstolo do Brasil".
José
de Anchieta foi canonizado pelo papa Francisco em 03 de abril de 2014, a missa
de agradecimento a sua canonização foi realizada pelo papa Francisco em 24 de
abril de 2014.
Fizeram uma nova imagem, onde ele aparece mais jovem.
Oração
a Anchieta
Bem-aventurado
José de Anchieta, missionário incansável e Apóstolo do Brasil, abençoai a nossa
Pátria e a cada um de nós. Inflamado pelo zelo da glória de Deus, consumistes a
vida na promoção dos indígenas, catequizando, instruindo, fazendo o bem. Que o
legado de vosso exemplo frutifique novos apóstolos e missionários em nossa
terra.
Professor
e mestre, abençoai nossos jovens,
crianças e educadores. Consolador dos doentes e aflitos, protetor dos pobres e
abandonados, velai por todos aqueles que mais necessitam e sofrem em nossa
sociedade, nem sempre justa, fraterna e cristã. Santificai as famílias e
comunidades, orientando os que regem os destinos do Brasil e do Mundo. Através
de Maria Santíssima, que tanto venerastes na terra, iluminai os nossos
caminhos, e nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, hoje e sempre.
Que assim seja.